05 agosto, 2008

SEGREDOS DE UM ELEVADOR








Desculpem mais uma vez não vir a propósito, mas é mais um conto para o desafio de UM CONTO PARA UM ELEVADOR



Retalhos de vida, que eu elevador assisti durante mais de 60 anos.
Poderia contar a vida de quase todos pelo pouco que via, de cada vez que em mim andavam. Podia até ter esquecido muita coisa, não fosse o espelho que dentro mim havia e esse nada esquecia.
Vi a mãe com o filho ao colo, virando-o para o espelho e perguntando – quem é a coisa mais linda da mãe? - e o pequeno ria, querendo tocar naquela imagem que não reconhecia.
Vi, também, o “pai”, dando um último jeito à gravata, ou a maneira como olhava a vizinha do sétimo andar, um bom “pedaço” de mulher, que quando entrava sorria simpática e sedutoramente, olhando de seguida o espelho a confirmar a sua beleza.
Os do primeiro andar eram os mais rápidos, mal entravam já estavam de saída e muitas vezes nem me usavam, quando percebiam o tempo que demoraria a chegar, galgando os degraus enceradas, dois a dois.
Os do segundo, pareciam cavalos à desfilada, quando desciam, sempre atrasados, indomáveis, aqueles rapazes, oito ao todo, os pais coitados uns mouros de trabalho, nem tinham tempo para o espelho olhar.
As conversas das empregadas, quando se encontravam, vindas das compras comparando a forretissse ou o desleixo das patroas. Infindáveis as críticas que lhes faziam. No parecer delas, as patroas qualidades não tinham, mas o certo é que as não trocavam por outras.
- Viva Isabel, ao tempo que a não encontrava. Estava para ir a sua casa, pedir-lhe desculpa se por acaso amanhã lhe fizermos muito barulho. Temos um jantar grande....
- Viva Mafalda. Não se preocupe com isso, as salas são longe dos quartos, e não incomodará com certeza. Já viu que a porteira não anda a limpar a entrada?
Alguém me disse que está doente.... passa a vida doente aquela mulher! O que se lhe há-de fazer Mafalda?
- O pior, Isabel, é que tanto a Maria João do sétimo, como a Teresa do quarto, não querem saber de nada.
- Mas a Mafalda não sabe que Teresa só pensa na educação dos filhos e quando andam em correrias põe-nos a rezar o terço...
O Pedro anda sempre sozinho...eu se tivesse um marido tão bonito....não corria tantos perigos
- Ora Isabel, eles são um casal muito católico...não creio que o Pedro se interesse por outras.
Já a Mafalda andava grávida da terceira cria, e o “pai”, comendo a vizinha do sétimo com os olhos, lhe perguntava se vivia sozinha, que nunca a via acompanhada. Maria João respondeu que vivia com um piloto da TAP, cujas viagens eram quase sempre de longo curso.
- Coitada, então está muitas vezes sozinha....Vou dizer à Mafalda para a convidar um dia destes, para jantar, assim terá companhia e será menos uma noite em que ficará só. Ela dizendo que sim, com sorriso trocista.
Os segredos que um elevador, antigo como eu, não guarda....
Os do segundo, já com a vida melhorada, por terem recebido a herança, por morte do pai de um deles, fora bem-vinda e ela já muito bem-vestida se mirava no espelho que lhe devolvia a imagem de uma mulher sedutora e de armas, sempre acompanhada pelo marido que não tinha olhos para mais ninguém. Os filhos já crescidos e bem comportados, não todos, que um havia que sempre andava meio entornado.
A Isabel já andava com o Pedro.
Passado uns meses o “pai” mudou-se do sexto para o sétimo andar; Mafalda com os três filhos, encontrava Maria João no elevador e embora a tratasse como nada tivesse acontecido, bem se via no espelho os olhos toldados por tristeza
Os do terceiro recém-casados, foram os únicos que mudaram de casa ao fim de uns 10 anos.
Quem veio para o seu lugar, foi um casal de gays, muito mal vistos por todos e que todos criticavam e faziam troça, mas que eram pessoas encantadoras cumprimentando todos, apesar de bem saberem o que lhes ia dentro.
Foi a partir desse dia que o movimento em que eu andava, mais se fez sentir, tinham muitos amigos e a casa estava sempre cheia. As críticas cada vez mais mordazes. Até a empregada era ostracizada pelas outras.
Dois anos depois aparece David lado a lado com Mafalda. Um dia entraram os quatro no elevador.
Maria João vinha a discutir com o “pai” e calaram-se quando entraram Mafalda e David, enlaçados.
O “pai” não tirava os olhos da sua ex, pensando como poderia ter deixado escapar tão linda mulher, que nem para ele olhava, com quem sempre se tinha dado tão bem...não tivesse sido aquela paixão pela Maria João que já se evaporara....
Teresa veio a saber da ligação de Isabel com o seu Pedro e foi dentro de mim, que lhe fez frente e a avisou, que se não largasse o Pedro, iria contar tudo ao marido dela. Isabel encaixou, não sem envenenar dizendo que se não fosse com ela, com outra seria.
Assim era o meu dia-a-dia, nunca havia descanso nem monotonia.

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