25 julho, 2008

DOIS IRMÃOS

Desculpem, não vem a propósito, mas faz parte das regras (ter primeiro o conto de ser publicado no blog de quem participa) do Desafio UM CONTO PARA UM ELEVADOR
Gostava muito de participar


Para eles o elevador antigo, era sempre uma aventura.
Por ele fugiam, porta de lagarta aberta, antes de chegarem ao seu interior, tinham de abrir as duas portas de vidro, elegantemente trabalhadas em gravação a fosco, fugiam de quem não lhes queria bem.
Por ele entravam, no que eles chamavam calabouço, embora nunca tivessem estado presos, presos ficavam os seus sonhos desfeitos mal entrassem em casa.
Saiam no elevador, contentes assobiando, sabendo já que haveria represálias, mas mesmo assim a aventura chamava por eles, porta fora chegavam ao exterior.
Entravam nele, cabeças baixas, pensando já no que lhes iria acontecer, pensativos perguntando-se um ao outro se valeria apena subir.
Tão novos, tantos sonhos já desfeitos e desciam, subiam, subiam e desciam, assim passavam a vida.
Lembrava-se disto tudo, enquanto o elevador ia subindo, aos anos que não fazia esta viagem de elevador, o irmão já morto... espreitando o primeiro andar que continuava igual, entrando por ele adentro a sensação que nunca tinham percebido o movimento do elevador, os seus arranques as suas hesitações, que se podiam comparar à sua vida.
Segundo andar, já bem modificado, visto ser de escritórios, porta da rua escancarada para todos poderem entrar.
Quando desciam no elevador, era como descessem ao melhor que deles tinham, a alegria, os sonhos, a magia da vida, que bastava uma gargalhada para toda ser diferente. Quando subiam nele, entravam no pior que neles havia, a violência que os marcara para o resto da vida, o desamor que se refletiria, também, na vida do dia-a-dia, as raivas e os medos
Já ia no terceiro andar, tremeu só de pensar que estava a chegar ao pior que tinha havido nele, ao pior que havia na sua vida, o irmão já morto....
Resolveu, no pouco tempo de permeio entre o terceiro e o quarto andar, que desta não seria apanhado desprevenido, não se deixaria ir abaixo, far-lhe-ia frente, se queria mudar.
Quarto andar, o fatídico, ainda hesitou dentro, mas de rompante abriu de par em par as duas portas de vidro, elegantemente trabalhadas em gravação a fosco, abriu ainda com mais energia a porta de lagarta e quando já tinha saído e se preparava para as portas fechar, ouviu um risinho de desprezo que dizia:
- então ainda estás vivo? Não te suicidaste como o teu irmão? Sempre disse que eras um cobarde! Como te atreves ainda a subir nesse elevador
e num repente, esqueceu-se de todas as boas intenções, pôs um pé na rede que separava o corrimão da escada, do fosso e de um salto deixou-se cair, como tinha feito o irmão ainda adolescente.

16 comentários:

Ricardo António Alves disse...

Excelente, conto e ideia!
um abraço.

Anônimo disse...

Obrigado Ricardo

Boas Férias!

beijinho

Pena disse...

Linda Amiga:
Um conto fascinante.
Acontece nalgumas indefinidas vidas.
Falou alto o seu valor criativo fantástico e admirável.
Que contos extraordinários teria que revelar num sussurro profundo esse elevador.
Olhe, adorei.
As palavras são de arrebatar.
Destaco uma frase/padrão que conclui, acontece e não desejo, pelo desencanto, a ninguém que conheço ou desconheço, mas sucede com alguma frequência:

"...e num repente, esqueceu-se de todas as boas intenções, pôs um pé na rede que separava o corrimão da escada, do fosso e de um salto deixou-se cair, como tinha feito o irmão ainda adolescente."

Fiquei preso a estas palavras.
Uma imaginação e talento de admirar.

Beijinhos de amizade que respeita, estima e considera.

pena

Belo momento de prosa. Significativa que registo no livro da vida.
Parabéns sinceros.

Anônimo disse...

Olá Pena


Estou espantada com os teus elogios, tu que tão bem escreves.
Obrigado, sentido
Porque é pura ficção, felizmente.

beijinho

Mateso disse...

Não é o elevador o espaço de contrição das ideias?. Depois o Acto.
Parabéns.
Bj.

Mateso disse...

As luvas...são o toque final da toillette do mundo. Obrigada pelas tuas palavras ,e os meus parabéns são sinceros também, minha querida.
Há um pormenor no texto errado. É que eu sou esquerdina... Só dei conta depois...
Passou.Mas eu adoro estes desafios.
Bj.

Anônimo disse...

Obrigado Mateso

também eu, também adoro estes desafios, principalmente por nunca ter pensado em termos de elevadores.

mas tu tens uma escrita mais madura que a minha, que é tipo telegráfica, é isso que admiro em ti.
Sempre que escreves essa maturidade vem ao de cima.
Gosto muito Mateso

beijinho

xistosa, josé torres disse...

Um salto no abismo ...
A cobardia está no salto, não no encarar ...

Talvez as molas tenham amortecido a queda ...

Um bom fim de semana, para sermos positivos.

Anônimo disse...

Olá Xistosa

Claro, para a maior parte das pessoas!

Bom fim de semana, também para ti

Beijinhos

Mário Casa Nova Martins disse...

Um "regresso" ao Conto em grande!

Anônimo disse...

Olá Mário

Só mesmo o Mário para me animar.

A verdade é que me apeteceu muito responder ao desafio e que gostei de o voltar a fazer em público, porque tenho continuado a escrever e tenho material para o novo blog que se aproxima.

Beijinho grande, Mário

Minucha

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

eu gostei:-)

Um texto bem à sua maneira. Leve, corrido e fluente.
Que se com vontade e gosto de saber o inesperado final.
Parabéns, Minucha!

Anônimo disse...

Olá Júlia

Ora, por aqui?
Vê, tive imensa vontade de entrar neste desafio, apesar dos textos lá colocados serem excelentes.

Obrigado. Dá-me gosto que tenha gostado

Um beijinho
Minucha

CNS disse...

Execelente conto. Com um fim brutal. J� c� tinha vindo. E vim de novo. Os meus parab�ns!

beijinho

Anônimo disse...

Obrigado Cristina
porque gostei tanto do teu.

beijinho

xistosa, josé torres disse...

Tenho um conto ... parece-me que já o publiquei no blog, mas não tenho a certeza ...
Tem muitos anos ...(depois de ler, pela idade que tinha, quando fui á Lua, foi escrito há 5 anos)
Aqui fica:

Viagem à lua


Um dia fui visitar um amigo que morava num 10º. andar. Entrei no elevador, carreguei no botão respectivo, deixei-me levar, mas ao chegar ao 4º andar, assaltou-me o pensamento do elevador não parar nunca e continuar sempre a subir, rebentando mesmo o telhado do edifício e sempre a subir, me colocasse na Lua.
Sou mesmo lunático !
Como gosto de números, comecei a calcular, do 6º ao 7º piso, o elevador demorou exactamente 3 segundos. Portanto, 1 metro por segundo de velocidade, pois são 3 metros.
Fiz a minha visita, voltei para casa e não parava de pensar no elevador, a subir 1 metro por segundo.
Qual a distância à Lua ? Essa Lua que eu tinha imaginado quando estava no elevador e que tinha visto de relance, antes de entrar em minha casa !
Segundo os cientistas, essa distância varia, entre 56 e 64 raios terrestres, sendo em números redondos, 384.000 Km.
Segundo a medição da Apolo XII, serão 380..000 Km. Calculo que a aparelhagem a bordo da nave, seja mais fiável que os cálculos dos cientistas.
Todos os poetas, deveriam conhecer estes números, porque de algum modo estão interligados ao misterioso, ao profundo e ao gelado cosmos.
Mas os poetas querem “letras”, os números, são algo de inumano, monstruoso e feio, não lhes servem para nada.
A precisa e cientificamente 380.000 Km, medida pelos americanos, está a Lua.
Um corpo rochoso, que segundo os mais “idosos”, tem 3.900 milhões de anos, (como somos pequenos). Não há registos fidedignos e concretos ! Teremos de aceitar estes valores .
À mesma distância, está a Lua poética de Dante, a tal Lua, que a Julieta, (de Romeu), não queria que a comparassem.
Está a mesma Lua de todos os enamorados. De todos os distraídos. De todos os que têm pensamentos impossíveis.
Em suma, de todos nós.
Contente, pelo elevador ter parado, por ter visto a Lua e ter chegado a casa, deu-me para pegar numa calculadora.
Dividi, multipliquei, ... e eis que surge, milagrosamente, um número de dois algarismos, 12,
Uma dúzia !
Uma enormidade, duma dúzia de anos, seria o tempo que aquele elevador levaria a colocar-me na Lua.
Vim cá fora ao jardim e procurei novamente a Lua, ás vezes é difícil de encontrar, esconde-se. Quando a vi, emocionei-me e comecei a fazer ridículos prognósticos sobre uma possível viagem de elevador à Lua.
Não é difícil de imaginar tal ascensão, olhando-nos ao espelho, para ajeitar qualquer melena fora do sítio, a fim de impressionarmos favoravelmente, à chegada, algum alienígena.
Tenho 56 anos. Se partisse agora, chegaria à Lua com 68 anos. Velho, mas todavia, com a garra dum jovem e uma indomável vontade de viver, porque me conheço bem e sei que nunca perco o optimismo sempre latente, mesmo nos elevadores.
A viagem, poderá ser bastante aborrecida, sobretudo se tiver o azar de ficar encarcerado, com vizinhos altivos; doze anos num elevador, sem poder sair, evitando timidamente, os olhares dos companheiros de viagem, doze anos, abanando o molho de chaves da porta, na mão, escolhendo demoradamente a que “abrirà algo”, no fim da viagem, quando chegar à Lua, ou doze anos, assobiando baixinho, canções que nunca existiram, para simular uma certa e absurda normalidade social.
Também poderá ser uma viagem magnífica, a melhor subida do mundo, num elevador, um cruzeiro cósmico, digno de ser contado por um Isaac Asimov enamorado, (bioquímico americano de origem russa, autor de um dos clássicos da ciência-ficção, Fundação), se esse mesmo azar se portar bem comigo, poder-me-à lançar um cabo que introduza no elevador uma preciosa pérola duma “jovem” mulher, com a pele lisa e umas imperceptíveis rugas, debaixo dos seus óculos escuros, para me acompanhar na miragem, digo, na viagem.