20 outubro, 2008

Sejamos compassivos

Não é meu hábito fazer transcrições integrais de artigos de jornais, mas este caso vale por excepção, pela pena afiada de Abdul Cadre no Jornal do Barreiro, que vale sempre a pena ler


Tudo isto é Fado

SEJAMOS COMPASSIVOS



VENHO AQUI, meus queridos e pacientes leitores, apelar ao mais profundo dos vossos sentimentos cristãos: o perdão para quem vos paga mal e se locupleta com as riquezas do mundo e agora precisa do estado, que somos todos nós para continuar a enriquecer e a devorar o mundo, que sabe tão mal. Eles sabem que é mais fácil um camelo passar pelo buraco duma agulha do que um rico entrar no reino dos céus, mas mesmo assim sacrificam-se; são a vossa salvação. É por vós, o sacrifício. O que eles têm não tendes vós pelo que, assim aliviados, podeis ascender aos céus e eles não.

Nós, portugueses, não podemos ser menos cristãos do que os americanos e os europeus. O Ocidente está a provar que é totalmente cristão, embora não pratique; nós também não praticamos, mas acreditamos no Pai Natal

VENHO AQUI, meus queridos e pacientes leitores, em nome dos bancos, banquinhos, banquetas e outros lugares de agiotagem pedir-vos para serdes compassivos Eles roubam, mas fazem; eles mentem, mas agem; eles enriquecem, mas é para o vosso bem. Neste momento precisam de mais estado, dum estado permissivo e mãos largas, para que os cofres não fiquem vazios. Parece que há falta de liquidez. Logo que isto passe, esta crise da bolha, eles prometem, juram e põem as mãos em prece de que regressarão com toda a lata de sempre, à exigência sacrossanta de menos estado, melhor estado.

VENHO AQUI, meus queridos e pacientes leitores, garantir e jurar que o capitalismo é o pai, o mercado é o filho e o lucro o espírito santo. Quem não acredita nisto é um herege que não merece sequer que lhe paguem o salário ao fim do mês.

VENHO AQUI, meus queridos e pacientes leitores, atento venerador e muito obrigado propor que se lance um imposto especialíssimo de urgência, a pagar por todos os que não são empreendedores, para ajudar os bancos, banquinhos, banquetas e outros lugares de agiotagem a despejarem a bolha, para que não rebente. Mais proponho que todas as empresas, patrões, empreiteiros e similares, durante pelo menos um ano, paguem apenas dois terços dos salários a quem tenha estatuto inferior ao de gerente. Ressalve-se que, para sair da presente crise, é urgente aumentar para o dobro os rendimentos dos nossos queridos e imprescindíveis gestores, para poderem inventar novas e melhores engenharias financeiras.

Eu sei que a maioria dos meus queridos e compassivos leitores não sabe o que é engenharia financeira. Escrevam para o Vale e Azevedo que ele explica. De qualquer forma, é mais ou menos o que chamaríamos de ciganice, se fosse na feira, de conto do vigário, quando feito por um brilhantina qualquer, ou de Dona Branca, quando em bairro suburbano.

Mas isso agora não interessa nada. O que interessa é que a luta continua e a vitória é certa. O mercado vencerá. Assim saibamos ser reconhecidos a quem nos dá o empregozinho com tanto carinho, mesmo que com unhas de fome nos pague. Quem dá o que pode a mais não é obrigado.

Vivam as nacionalizações a bem do mercado!

Vivam!

Um comentário:

Anônimo disse...

Penso, Luís que terás de editar mais artigos deste senhor, porque o jornal de que falas não deve ser conhecido de quase ninguém

UM MUST, ESTE ARTIGO!!!

beijinho